07/04/09

Design de Matrix e a Indústria Cultural

Se a realidade existe a gente não

precisa acreditar nela. (...) A única chance de a

realidade existir é nós não acreditarmos nela…”

Baudrillard em Entrevista a Sheila Leirner

(indicada por Elis).


Tal epígrafe indica que a narrativa do filme Matrix me interessa muito pouco na sua história em si, escrita e dirigida por dois irmãos. O que não repudio é que tal filme é um marco da Indústria Cultural, indicando a necessidade de pensarmos a idealização midiática da inteligência humana, que tem nos levado inexoravelmente a conceitos baratos. A escolha do filme Matrix para falar de noções importantes para quem pensa a imagem advém da tamanha evidência aí de nossa condição atual, submetidos pelas imagens técnicas, produzidas por funcionários, dependentes de programas.

Escrevo a seguinte introdução para o Grupo de Estudos Fotografia e Imagem (coordenado por Luana Navarro) apropriando-me das noções de Vilém Flusser, principalmente das reflexões que ele nos provoca com seus Ensaios para uma futura filosofia da fotografia ou simplesmente Filosofia da Caixa Preta, primeiro texto trabalhado pelo Grupo. Assim, para quem se interessa por outra leitura mais específica do filme em si indico um artigo do psicanalista Davy Bogomoletz, Reflexões sobre Matrix, disponível aqui.

Mas confesso que tentei me limitar apenas à história do filme, o que de cara já me trouxe tanta complicação que estranhei muito:

- Acorde, Neo...

- A Matrix te achou...

- Siga o coelho branco.

Logo no início do filme a apreensão toma conta do público. Não se sabe o que está acontecendo. Um clima de suspense paira no ar: quem é Matrix? Neo? Coelho branco? Que teria a ver com Alice e seu mundo das maravilhas?

- toc, toc, Neo... (ainda em verde, na tela do computador)

- (batidas na porta)

Um mundo virtual se choca com um real. Uma forte tensão é inevitável. Numa boate psicodélica, Neo (“novo”, anagrama de One, “um”, e de Eon, variante de Aeon, "eterno") encontra-se pela primeira vez com Trinity (“trindade” em inglês).

A jovem “trindade” que, momentos antes, se apresentara ao público assassinando policiais assustados ante sua agilidade nas artes marciais também é um mistério. Decidida, ela aproxima-se de Neo num delicado movimento de sensualidade. Com seu rosto de expressões graves e um olhar penetrante, deixa Neo (e os expectadores) desnorteados. A música eletrônica da boate, ao fundo, parece acompanhar o ritmo das palavras de Trinity, que faz ecoar uma dúvida eterna da humanidade (parece que ela tem as respostas para uma dúvida que angustia os humanos há milênios, para não dizer desde sempre):

- Sei porque você está aqui Neo... sei porque mal dorme, porque mora sozinho e porque noite após noite senta-se ao computador...

(desce o som)

- Você o está procurando. Eu sei porque também já procurei a mesma coisa. E, quando ele me encontrou, sabia que não era por ele que procurava. Eu procurava uma resposta. É a pergunta que nos impulsiona, Neo. Foi a pergunta que te trouxe aqui.

Neste momento todos os corações da platéia deveriam ecoar em coro com as batidas da música techno que toca ao fundo da cena. Escutando suas batidas apertadas e angustiadas o peito de cada um deveria se abrir à grande narrativa que promete coisas boas. Uma doidera não querer entrar cena adentro. Afinal, qual é a alma que não é movida por suas incertezas, qual coração não deseja reconfortar-se num ponto que seja certo, qual corpo não estremece ao saber que nada pode saber? Quantos espíritos determinados não se aplicaram durante toda a vida na busca da possibilidade de formular uma pergunta, ao menos, que indique um caminho a se seguir?

As dúvidas, ou melhor, a dúvida do personagem Thomas A. Anderson, conhecido no mundo virtual como Neo, passa a ser também a dúvida que se inflama no peito do expectador ardoroso por desvelar tantos mistérios:

- O que é a Matrix?

Mas, afinal, essa é mesmo a dúvida do expectador (e de toda a humanidade milenar)? Ou é apenas a do personagem Neo? Os irmãos Wachowsky (roteiristas e diretores do filme) não conseguiram fazer de Matrix um filme que arrecadou U$$ 460 milhões, foi o primeiro da História a vender mais de um milhão de DVD’s e ainda revolucionou o mundo cinematográfico apenas com seus efeitos especiais bem bolados e com seu roteiro intrigante, não. Eles foram a fundo. Ao menos no que diz respeito à inteligência de construir um filme Hollywoodiano.

O filme Matrix é espetacular produção da Indústria Cultural. Lançado em março de 1999, ele teve a idéia nada ingênua de preencher o abismo que apavorava a velha nova Humanidade com seu terceiro milênio, início de uma época de crenças (e dependências) nas tecnologias cibernéticas.

Encheu tal demanda com uma mistura cosmogônica hollywoodiana de signos e símbolos sem fim. Algo que nem mesmo as maiores alegorias carnavalescas do mundo conseguiram, mas pretendem. Entretanto, diferentemente dos rituais carnavalescos que produzem um espetáculo construído com alegorias abertas às performances imprevisíveis dos celebrantes, o filme Matrix simula uma alegoria plausível através de fetiches nas imagens, ao contrário dos objetos fetiches vividos em rituais carnavalescos. Se o valor de culto dos objetos abertos à experiência performática passa a ter apenas valor de exposição na tela da TV, do Cinema e agora do Computador, o filme Matrix é significativo por seu valor negativo e sintomático da Simulação midiática atual.

A seqüência lógica de outros filmes de ficção científica como Metrópolis (1927), 2001 – Uma Odisséia no Espaço (1968), Star Wars (1977) e Exterminador do Futuro (1984), nos mostra a perca de qualidade reflexiva própria de cada filme pela ascendente ânsia por grana rápida e a forma indolente com a qual os chamados conceitos baratos têm assumido algumas teorias conceituais que por vezes tentaram ser preservadas e assim preservar a inteligência do mundo ocidental.

Sempre que essas estruturas conceituais foram re-significadas o mundo ocidental mudava progressivamente seus caminhos. Pensando desta maneira poderíamos acreditar que o mundo do ocidente, regido pela Indústria Cultural, caminha para a estupidificação de nosso imaginário. Novamente me vem a pergunta: por que então resgatar esse filme para fazer um vídeo introdutório à Flusser?

Não consigo acreditar que Vilém Flusser foi um otimista. A Filosofia da Caixa Preta é um alerta que nos situa na vida contemporânea e nos provoca a pensarmos outras maneiras, outras possibilidades de produção cultural.

Apesar de se darem em softwares, as tecnologias contemporâneas podem mudar as experiências performáticas, que celebram a cultura, de maneira irreversível. Encontrar novas maneiras de celebrar a cultura como vínculo entre homens e mulheres é encontrar uma saída para as formas opressoras da simulação midiática.

Segue assim a músicotextovídeo-montagem:




2 comentários:

  1. Valeu pela produção e contribuição!

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  2. "Encontrar novas maneiras de celebrar a cultura como vínculo entre homens e mulheres é encontrar uma saída para as formas opressoras da simulação midiática."
    Valeu Arthur!

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